J. Flávio Vieira
Médico e escritor
“Promessas e bolachas nasceram para ser quebradas”
Jonathan Swift
Semana passada, aconteceu, em Fortaleza, uma
solenidade que uniu o nosso prefeito municipal, representantes da URCA e o
Secretário Estadual de Saúde, onde foi apresentado um projeto para criação da
Faculdade de Medicina de Crato, desta vez ligada diretamente à Universidade
Regional do Cariri. A manchete ganhou o noticiário, com os bons auspícios de
aceitação do pleito por parte de Camilo Santana. Por aqui, a divulgação carregou consigo diferentes e
díspares emoções. Com a autoestima cratense, mais baixa do que salva vidas de
aquário, boa parte da população abriu sorrisos largos e sonhou com os novos tempos propícios que
virão. Uma ampliação dos nossos horizontes científicos, com melhoria da rede
hospitalar, reflorescimento do atendimento ambulatorial e , na esfera
econômica, um fortalecimento considerável, principalmente no setores de serviços e de imóveis.
Outra parte dos cratenses, percebeu,
imediatamente, os tempos pré-eleitorais da novidade, época em que as promessas
saltam das línguas, como peixes na
piracema. Tínhamos vivido expectativas similares com o sonho de uma outra
extensão da UFCA para o Crato, encaminhada pelo Deputado José Guimarães, e que
deu com os burros e os éguas n’ água.
Professores da URCA, por outro lado, lembraram as deficiências estruturais de muitos cursos já lá existentes e que
poderiam, inclusive, se agravar, se o novo projeto não se fizer acompanhar de
recursos novos e um olhar reanimador para as distorções antigas.
As entidades médicas, por sua vez, posicionam-se, invariavelmente, contra a
criação de novas escolas . Temos duas Faculdades, atualmente, FMJ e a da
UFCA, e nenhum Hospital Escola a lhes
dar suporte. Um pouco pensam na
qualidade dos cursos e dos profissionais que dali brotarão, empunhando
seus diplomas e prontos a usá-los como
navalha ou bisturi. Mas, também, marcam território, de olho numa reserva de
mercado. Temos, no Brasil, em quantidade, médicos suficientes para atender à
população, existem, no entanto, na distribuição deles, realidades perversas. 60% dos profissionais
estão fincados na região Sul e Sudeste e, nos estados, a maior parte
estabelece-se na beira mar. Os interiores, o Nordeste e principalmente o Norte
muitas vezes têm sua medicina exercida pelo Pajé, pelo Balconista da Farmácia e
pelo Meizinheiro, com se vivessem no Século XIX. Pudera ! Até militares andam
receitando em portas de palácios! Quando a proposta de abertura de novas
faculdades se faz nas capitais, as entidades calam-se, tergiversam. O que é
ótimo em alguns locais, para eles, parece
péssimo em outros. O que vale na minha casa não serve na do vizinho.
A chegada de novos empreendimentos mexe,
imediatamente, com incontáveis e múltiplos interesses econômicos e políticos.
Lembro do alarido, com a implantação da nossa URCA, nos anos 80. Diante da nova
realidade, crua e irretornável, os embates arrefecem e todos se unem em busca
do novo caminhar.
Não
tenho dúvidas quanto à possibilidade de o Crato instalar uma Escola Médica de
excelência, emparelhando-se em nível com as melhores do Nordeste. Tradição é o
que não nos falta e, no Cariri, temos já um invejável arsenal de ótimos
profissionais nas mais diversas especialidades médicas. Claro que os primeiros
passos são sempre trêmulos e temerosos, mas precisaremos fazer os consertos e
acertos com a carruagem em pleno movimento. Com a total insensibilidade do
governo Federal para com a Educação e as Universidades, em particular, penso
que a iniciativa estadual surge como a
mais viável, até porque temos um cratense como titular.
Partidos políticos, em plena efervescência
pré-eleitoral, pulam das tamancas, denunciando o que chamam de manobra
eleitoreira. Ao Zé Povinho não interessa a briga de comadres. Daqui um pouco as
conveniências e conchavos os unem ou separam. Que venha a Faculdade, apesar dos
pruridos de grupos que, na sua maior parte, visam apenas à saúde dos seus
bolsos e às benesses dos seus apaniguados.
Cabe-nos incensar e elogiar a iniciativa por um lado e, pelo outro,
cobrar , incessantemente a promessa feita. Com um olho no gato e o outro na
sardinha. É que, nos últimos tempos,
temos engolido mais promessas quebradas que bolachas fraturadas e já andamos
com engulhos e ânsias de vômito. Que ao
menos a Faculdade de Medicina possa minorar um pouco nossas náuseas.
Material publicado na edição desta sexta-feira 21/8/2020 da edição de número 21 do jornal Leia Sempre.