VOCÊ TAMBÉM É ESCRITOR!
Todos somos escritores, pois
todos nós conhecemos a palavra. Até o
dito analfabeto é capaz de escrever uma história. Então você me pergunta: “Mas como, se ele não
sabe escrever? ” É aí que entra aquela
verdade que parece que nem todos conheciam: escrever
começa na mente, o que faço após isso é transcrição. Eu posso exemplificar
dizendo que isso que estou fazendo agora com lápis e papel na mão é, na
verdade, uma reescrita, porque a escrita já está aqui no meu pensamento, em
fase de pré-formulação. Observe este diálogo:
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- Maria, cheguei!
-E cuma foi seu dia na
mercearia hoje, João?
-Difici, Maria, difici! Eu
tive tanta raiva do meu patrão. Cê me acredite que chegou um criente pidindo pão, mar já tinha acabado. Então meu
patrão me fez andar uma légua atrás de pão para esse criente? Mar eu fui com
muita raiva, viu!?
- Ué! Prumo de quê cê num
disse que num ia?
- Oxi!? Pra cê me fazer andar
quinze léguas atrás de outro emprego?
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É claro que eu posso não
seguir à senhora Norma Culta na fala, mas, na escrita, obedecê-la. Porém,
suponha que a conversação acima tenha acontecido entre dois analfabetos e
responda: embora a linguagem não obedeça à norma culta, você compreendeu o que
foi dito? João, o esposo de Maria, conseguiu narrar o que aconteceu com ele
naquele dia de trabalho que o deixou tão irritado? A resposta, com certeza, é
sim. Pois, mesmo diante dos desvios gramaticais e da linguagem informal, uma
pessoa que não sabe ler ou escrever pode produzir um texto oral. Claro que haverá
limitações e tantas outras carências linguísticas, mas o “grosso” será
transmitido. É por esse motivo que podemos concordar que todos somos
escritores, pois todos nós conhecemos a palavra.
O que você vai fazer dessa
palavra é a questão! Na próxima edição, apresentarei alguns princípios da
escrita. Fique atento!
A
crônica a seguir faz parte de um relato pessoal. O fato em si é verídico, mas
os envolvidos tiveram seus nomes preservados.
DESENREDO
Sarita Bezerra
Eu estava grávida e nervosa.
Na sala estávamos eu, minha coordenadora e um pai. Este me acusava de haver
desestimulado sua filha, e eu o ouvia com solicitude. Das poucas disciplinas
que conclui em um curso de aconselhamento que realizara, uma delas me ensinara
que a ação de ouvir atenciosamente e analiticamente pode me render boas
respostas e me fazer inferir contradições para um uso futuro a meu favor.
Então, pus em prática.
O objeto de estudo era uma das
minhas alunas do sexto ano, Manuela. Raquítica e extremamente pálida, talvez
por conta do seu estado debilitado de saúde, Manu, como alguns a chamavam, já
se submetera a algumas cirurgias. Da enfermidade, nada se sabia; as informações
eram vagas e a descrição excessiva. Quanto à sua conduta, era uma aluna de
poucas palavras, desatenta e pouco participativa. Das ministrações das aulas,
não inferia os assuntos básicos e seu rendimento, notavelmente, inferior à
média.
No dia do ocorrido, eu dera
início a minha comum metodologia: visto nas atividades e recolhimento de
tarefas – extras, caso houvesse. Solicitei a produção textual recomendada para
casa na aula anterior e, como de costume, alguns alunos apresentaram, outros
não. Manuela fazia parte dos que não realizara e eu recolhi sua agenda a fim de
realizar as anotações corriqueiras e necessárias para o acompanhamento e
ciência dos pais. Em seguida, desenvolvi minha aula com teorias e
exemplificações. Mas essa é a minha versão. Em casa, o enredo tomara uma nova
conotação, a seguinte:
-Manuela,
onde está sua produção?
-Professora,
eu não consegui fazer. Amanhã eu trago, viu?
-
Ah, sei! Suas promessas, como sempre, semelhantes às de políticos.
Isso a entristecera por
demais, ao ponto de ela perder gosto pelos estudos. Em casa, não falava, não
comia, não estudava. Suas notas sempre vermelhas e sua agenda cheia de carimbos
e observações preocuparam os pais. Chamaram-na para conversar e entre lágrimas,
foi-se revelado a impulsionadora da sua derrota escolar: eu e o que eu disse,
ou, supostamente disse. Segundo ela,chamei-a de mentirosa! Pior, caracterizei-a
de político. Decerto a ofensa foi a
comparação ou talvez a conclusão da comparação. Mas isso não importava, eu a
desacreditei.
Durante o depoimento do pai,
vagueei minha mente à procura dessas palavras, não as achei! Meu álibi era
nunca ter usado tais expressões durante minha vida. Não fazia parte do meu
vocabulário ou dicionário de respostas-prontas para alunos, mas seria uma saída
plausível? Tentei, todavia, não me deram crédito. Eu quis rir, pois é o que geralmente faço
quando não sei bem o que fazer ou dizer ou por estar diante de uma calúnia
descabida daquela, mas o assunto pedia seriedade. Eu estava sendo acusada de
algo que não fizera. Então, recompus-me irada por estar naquela situação e indaguei o pai: “Onde está sua filha, a
Manuela? Por que ela não está aqui? Chame-a! ”. Mas o pai se negou, não iria
expor sua amada àquela situação. “É minha palavra contra a sua, pai! ” – eu
afirmei pondo fim ao caso.
Ao ver que isso poderia
desmerecer sua filha e me vitimar, solicitou que a coordenadora retirasse a
aluna da sala e a trouxesse ao local que estávamos. Mesmo assim, eu me senti
vitoriosa, pois não ocorrera a situação em questão e a aluna reconheceria seu
erro.
Ela entrou. Ao olhá-la,
perguntei simpaticamente que história era aquela. Olhei-a de forma angelical,
demonstrando que apesar do “engano” eu a perdoaria e que tudo ficaria bem, ela
só precisava confessar que estava com medo da reação dos pais diante das suas
notas e por isso inventara afirmação
tão falsa e desonrosa a meu respeito.
Ela me olhou, chorou
demasiadamente e, entre soluços e trêmula boca, confirmou que eu realmente a
nomeara mentirosa e farsante. Eu quis chorar também. Senti um frio percorrer
meu corpo e quis desmaiar, mas me contive. Não queria revelar-me atriz, o papel
já estava bem ocupado! Eu cheguei a acreditar que realmente dissera tais
palavras, mas sabia que não. Manuela,
era uma criança de apenas 11 anos, e o senso comum sempre diz que toda criança
é sincera, não mente. Foi nessa afirmativa que todos se embasaram e chegaram ao
veredito: eu era culpada.
Na volta à classe, todos queriam
saber da infeliz Manuela o que acontecera, mas ela não mudou sua personalidade
e continuava plácida e alheia às situações.
Eu, não fui demitida, estava
grávida. Lembram? Mas vivi nove meses de entreolhares e desconfianças. Até você
deve estar se perguntando se sou realmente inocente. E quer saber? Nem eu me
atrevo a confirmar ou negar. Julgue-me! Afinal, essa é uma tarefa fácil.
DICA DE LEITURA
O romance pré-modernista Triste fim de Policarpo Quaresma,
é a sugestão de leitura desta semana. Esta obra do escritor Lima Barreto
(1881-1922) é um dos maiores clássicos da literatura brasileira do período. Um
romance que trata do nacionalismo do personagem principal, Policarpo Quaresma,
o qual é marcado por ser um fervoroso patriota, amante do seu país, o Brasil.
Ao mesmo tempo que expõe sua pátria como uma grande potência, o protagonista, a
partir de suas ações ingênuas, apresenta uma sátira inconsciente em relação à
sociedade burguesa da época, apresentando situações e características que podem também ser observadas na sociedade atual.
Todavia, esta é uma análise particular. Leia a obra e faça sua crítica!
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