Segundo a Polícia Civil do Espírito Santo, que investiga o caso, a criança era violentada sexualmente pelo tio havia quatro anos. O caso foi denunciado no início deste mês e a garota foi levada para Pernambuco no último fim de semana, após o hospital que fez o primeiro atendimento, no Espírito Santo, terra natal da criança, negar-se a fazer o aborto.
No domingo (16), uma onda de fundamentalismo tomou conta das redes sociais depois do vazamento e da posterior divulgação do nome da menina e do endereço do Cisam. A publicação dos dados foi feita na internet pela extremista Sara Giromini, que se apresenta popularmente como “Sara Winter”. Ela é alvo atualmente de uma série de medidas que pedem que o Ministério Público Federal apure sua responsabilidade no incidente.
A internauta arregimentou um conjunto de militantes ultraconservadores que se concentraram na porta da unidade no domingo para tentar impedir o aborto. O local virou palco de grupos religiosos, parlamentares da bancada evangélica e outros personagens, que chegaram a chamar o médico de “assassino”, assim como fizeram com a criança.
Para Olímpio Moraes, no entanto, mais relevantes que as intervenções contrárias à medida são as “incontáveis manifestações” de apoio e solidariedade que a criança e a equipe têm recebido.
“Ela ganhou muitos presentes, flores, perfumes. Muita coisa mesmo, tudo o que você puder imaginar. O quarto dela está cheio de presentes. Ela está sendo muito bem tratada pelos pernambucanos. Recebemos homenagens dos alunos da área de saúde, do pessoal da maternidade e das instituições democráticas”, enumera.
Manifestações de apoio
Entre as organizações que enviaram mensagens oficiais de apoio, estão a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), os Conselhos Regionais de Medicina de Pernambuco (Cremepe), de Enfermagem (Coren-PE) e de Psicologia (CRP-PE), além de entidades de classe. “Tem de tudo. Tudo que é bom do Brasil está do nosso lado”, realça o diretor clínico do Cisam.
“A gente está dando a chance de essa criança, que tem 10 anos, na verdade, começar a viver agora, porque o que ela teve até agora não foi vida. E tem pessoas que não querem que ela viva. Ela perdeu a infância e tem gente que quer trabalhar para que ela perca o futuro também” , alfineta Moraes, acrescentando que a equipe decidiu não informar a data da alta da menina por risco de novos ataques fundamentalistas.
“Esses grupos, embora não estejam mais aglomerados aqui, estão rondando ainda, então, podem estar no aeroporto também. Eles estão olhando os voos aéreos que saem daqui pro Espírito Santo”, aponta o médico.
Religião & ódio
Ao refletir sobre os ataques de ódio, o diretor do Cisam diz lamentar a mescla entre “isso e a religião”. Já excomungado pela Igreja Católica por duas vezes por atuar em procedimentos que garantem o aborto legal e seguro, Moraes fala em “distorção dos valores familiares” por parte dos fundamentalistas.
“Eu não sou católico praticante, mas, como pessoa que gosta de leitura e de História, conheço a História de Cristo como pouca gente conhece, com a visão social e antropóloga do homem Jesus Cristo. Tenho ele como se eu fosse um fã”, conta, ao mencionar o perfil acolhedor de um Messias que contrasta com o Deus do chicote.
“Ele foi um dos maiores humanistas da Terra, um dos maiores defensores da mulher, e isso numa sociedade machista, que surgiu dentro de um costume de apedrejamento das mulheres. Ele acolhia a todos e respeitava tanto as mulheres, que, quando ressuscitou, apareceu pra uma mulher, e não pra um homem”, ressalta.
Flores
Olímpio Moraes conta que nestes dias viveu “muitas emoções”. Ele destaca um episódio envolvendo um casal que o procurou para manifestar preocupação e solidariedade.
“Eles pararam aqui num carro grande, importado, e vieram na minha direção. Ele começou a chorar e disse que tinha um presente para a equipe e para a menina, umas flores. Ficou constrangido ao dizer que uma das pessoas que estavam na manifestação [contrária ao aborto] era filha dele, e ele colocou a culpa na cabeça de alguns jovens que frequentam movimentos religiosos que, na verdade, estão promovendo ódio em nome da religião”, narra o médico.
Questionado sobre como reagiu diante da situação, Moraes responde como alguém a quem só resta construir a paz, caminhando na direção contrária à dos ataques. “Eu falei pro casal que dissesse a ela que não tenho qualquer sentimento ruim em relação a ela, porque ela também é vítima de uma sociedade que não tem informação. E é ainda mais vítima por ser mulher. Fiquei bastante comovido com essa manifestação deles.”
Fios brancos
Ao falar sobre sua trajetória profissional, o diretor, que também é professor da Universidade de Pernambuco (UPE), realça a satisfação que lhe enche o peito. “Tenho orgulho de ser médico, de promover o bem. Tenho orgulho perante a minha família, os amigos. Eu acho que, quando você faz isso, faz o seu trabalho, vai ficar velhinho e vão ter orgulho da vida, e não ser um velho ranzinza, com raiva do mundo.”
Do alto de seus fios brancos, Moraes menciona a relação com os alunos e chama a atenção para a importância de se viver tomando boas decisões. “Assim, a gente pode ter uma vida plena e se sentir bem consigo mesmo. Eu digo sempre pra todo mundo que a melhor maneira de envelhecer é não ser covarde. O covarde pode até durar mais tempo, mas não vale a pena, não”, ensina.
(na Rede Brasil Atual)