16/08/2020

A linguagem da Chapada do Araripe é semente do tempo. Uma singela homenagem a Sidney Rocha, autor da obra que recebe prêmio lusófono Guerra Junqueiro.


 Íris Tavares (Kariri) 

Historiadora e militante das causas sociais, ambientais e ecologia. Descendente dos Kariris da Chapada do Araripe.     

Há quem diga que o fim do mundo está próximo e a pandemia Covid19 é um ensaio do pretérito-mais-que-perfeito soletrado em todos os continentes, feito um anjo decadente que assombra o planeta, dia e noite. É algo que beira o acidentado terreno da imaginação e da ciência e do cotidiano virulento onde milhões de pessoas são contaminadas, vítimas fatais, sobreviventes que continuam a povoar esse mundo ameaçado a extinção. Como nos corredores da “Guerra de Ninguém”, nas trincheiras das dores sobrevive a ignorância, o fardo secular da acumulação das coisas, das riquezas as custas de tanto sangue derramado. É a ditadura do sempre, do tudo é do mesmo jeito, tanto faz a direita ou a esquerda.

Surge   “Fernanflor” com sua alma de artista, pai e criador de belezas plásticas extraídas do olhar, do sentimento e da leitura que o mundo lhe imprime. A descoberta das “solidões superiores”, um misto de perturbação ou pura contemplação dos seres vivos na sua forma in natura. A arte pela arte é um prato de sopa fria que congela no estomago. Não fosse os diálogos do casal quase perfeito da “Estética da Indiferença”. Traz a experiência do que é viver sob uma redoma dourada. O sonho da classe média que almeja adentrar a área de serviço da elite. É uma sedução misturada ao enfadonho tempo no condomínio das individualidades.

É um tempo de delicadezas que segue pelos caminhos, pelas trilhas, nos recantos mais longínquos e nos territórios do pensamento onde a presença da menina brota em “Sofia, uma ventania para dentro”. O que busca essa menina? Cresceu como as flores encantadas sem estação definida para brotar e o seu perfume derrama-se desde sempre sobre o vale, a chapada. É a magia do lugar de braços abertos que segue ao encontro dos encantados.

O mundo do feminino possui linguagem própria. É místico e revelador. Quantas meninas: Maria, Camila, Guadalupe, Lucinha, Rebeca, Madalena, Raquel, “Matriuska”, reunidas em páginas doces e amargas nesse enredo de tranças escovadas. A obediência e choro na greta das meninas é prenuncio da infância que se esvai.  Coração de mãe é como o altar, o jardim e a revolução. “O destino das metáforas” bordadas na barra da saia de João do Reisado, no azul xadrez pintado na asa da borboleta e no reflexo do sol que se projeta nos veios d’água que dão de beber as figuras rupestres uma vez pintadas nas cavernas. A metáfora do platô a pista de dança para as mães d’água e da lua que costumam bailar no sopé da chapada do Araripe.         

Foi essa obra que despertou a atenção dos patrícios, dos literatas lusófonos. O Brasil que recebe o prêmio Literário Guerra Junqueiro tem sede no Nordeste e no enclave da chapada do Araripe.  Trata-se de um cearense, natural de Juazeiro do Norte. Sidney Rocha é um retirante que faz romaria em Pernambuco, dedica-se a garimpar as letras e costuma se enfronhar nos espaços de construção das ideias, da cidadania e da educação. É um estudioso e pesquisador nato vivendo em tempo de crise civilizatória profunda. Ele é esse ser estranho de teima e harmonia com as letras.

Mais o que é o prêmio Literário Guerra Junqueiro? Foi criado em 2017, por meio de uma parceria da Câmara Municipal de Freixo de Espada à Cinta, Portugal, com a editorial Novembro. Tem como objetivo recolocar o nome de Guerra Junqueiro no panorama nacional e expandir a literatura lusófona nos Países da Língua Portuguesa (PLP).

Quem foi Guerra Junqueiro? Abílio Manuel Guerra Junqueiro foi alto funcionário administrativo, político,   deputado, jornalista, escritor e poeta português. Foi o poeta mais popular da sua época (1850-1923) e o mais típico representante da chamada “Escola Nova”.

Salve os escritores que resistem e continuam no garimpo das ideias e da escrita.