Segundo ela, a proposta se insere em um conjunto sistemático de ataques
aos direitos trabalhistas. “Existe um silêncio eloquente em relação a essas
medidas provisórias. Do início ao fim (referindo-se à MP 927), é perversa, é um
abuso após o outro. Um projeto de destruição de qualquer possibilidade de o
Brasil ser uma nação, de ter uma retomada da economia.”
Entre os itens criticados contidos no PLV 18, um dos primeiros a serem
lembrados é o chamado “banco de horas negativo” (artigo 14). O período
eventualmente não trabalhado durante a pandemia irá para um banco a ser
descontado em até 18 meses – um trabalho a ser feito sem pagamento, no limite
de duas horas diárias. A medida permite ainda, no artigo 2º, que acordos
individuais entre empregado e empregador se sobreponham a leis e acordos
coletivos.
“É uma medida provisória perversa”, define o vice-presidente da Comissão
Nacional de Direitos Sociais do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do
Brasil (OAB), Marthius Sávio Cavalcante Lobato. Para ele, o principal objetivo
da MP é “atacar os direitos sociais e principalmente as organizações
sindicais”. Segundo ele, não há nada no texto que justifique sua existência.
“Todos os itens são passíveis de negociação coletiva.”
Injustiça e inconstitucionalidade
O secretário de Relações Institucionais do Ministério Público do
Trabalho, Márcio Amazonas, também critica a proposta. “Num momento de pandemia,
quem menos deveria sofrer os impactos era a classe trabalhadora”, afirma. Ele
cita, entre outros, o item que suspende pagamento de acordos trabalhistas, o
que “viola a coisa julgada”. E aponta “injustiça, imperfeição técnica e
inconstitucionalidade” da matéria em tramitação no Senado.
Vice-presidente da Associação Latino-americana de Advogados Trabalhistas
(Alal, na sigla em espanhol), Daniela Muradas aponta desrespeito a convenções
da Organização Internacional do Trabalho (OIT), como a 98, que trata da
negociação coletiva, “elemento essencial das relações trabalhistas”. Também não
se observou o princípio do diálogo social, acrescenta, manifestando “objeção
plena à MP 927” e a intenção de “oficiar a OIT como mais um vilipêndio aos
nossos compromissos internacionais”. A organização tem com uma de suas
premissas o diálogo tripartite (governo, empresários e trabalhadores), o que
não aconteceu no caso da medida provisória.
Pelo contrário, observa Hugo Melo Filho, diretor da Associação
Latino-americana de Juízes do Trabalho (ALJT), que fala em “crueldade e, mais
do que isso, deslealdade empresarial em relação aos trabalhadores”. Ele afirma
que a MP “tem o propósito exclusivo de garantir os interesses empresariais
neste momento da pandemia”. E “nada se aproveita” do texto, acrescentando,
apontando como destaque mais negativo a prevalência de acordos individuais sobre
os coletivos, um artigo que ele classifica de dramático: “Isso significa dizer
que pela MP se permite a grande concretização do sonho do capital”.
Lixo legislativo, destruição do Direito
Conduzido pelo secretário de Assuntos Jurídicos da CUT, Valeir Ertle, o
debate virtual teve a presença de dirigente de várias centrais, como o
primeiro-secretário da Força Sindical, Sérgio Luiz Leite, o Serginho. Segundo
ele, se com a MP 936, mesmo com limitações, foi possível assegurar manutenção
de empregos, a 927 simplesmente “aproveita a crise sanitária para aprofundar a
reforma trabalhista do governo anterior”. “E a Câmara conseguiu piorar”,
emendou o dirigente.
“Não tem o que discutir nessa medida”, reforçou Alexandre Caso, da
Intersindical. O secretário-geral da CSB, Álvaro Egea, considera o projeto um
“lixo legislativo”. E o diretor da CTB Nivaldo Santana foi irônico. “Existe um
princípio do Direito de proteção ao hipossuficiente. Aqui no Brasil parece que
o hipossuficiente é o capital”, afirmou.
Para a presidenta da Associação Brasileira dos Advogados Trabalhistas
(Abrat), Alessandra Camarano, trata-se de uma proposta que inclui “destruição
do Direito do Trabalho, direitos constitucionais, flexibilização de processos e
normas constitucionais”. Ela observou que o Brasil já esteve na chamada “lista
curta” da OIT durante dois anos. A short list inclui os países
que devem dar explicações sobre possível desrespeito a normas trabalhistas.
O ex-procurador-geral do Trabalho Ronaldo Curado Fleury disse que o
Brasil vive um “extremismo do neoliberalismo”. Esses interesses consideram
fundamental “o rompimento de qualquer coletivização da defesa dos interesses do
ciadão”. E isso se torna mais claro na área trabalhista. “Simplesmente se
desconsidera toda e qualquer entidade sindical em qualquer tipo de negociação e
na imposição de qualquer regra. As entidades sindicais são simplesmente
desconsideradas, invisibilizadas.”