05/06/2020

Artigo: A bola incendiária está no ar. Por Edson Xavier


Edson Xavier

Sindicalista e professor

Como tem acontecido com muita frequência, o governo Bolsonaro, até onde consegue, emula os argumentos e as fórmulas políticas do presidente dos EUA, Donald Trump. Os dois nesse momento afirmam que as manifestações em andamento em seus respectivos países são fruto da atuação política de grupos antifascistas ou “antifas” como são conhecidos mundialmente, e enquanto fecham os olhos para a ação de grupos extremistas de direita, chegaram inclusive a afirmar que os que lá e aqui lutam contra o racimo e a ameaça fascista são “grupos terroristas”.

Além de um ter um governante identificado com a extrema direita e com as bandeiras mais reacionárias possíveis temos em comum com os EUA uma longa história de escravidão e racismo  que atravessa nossas constituições enquanto nações colocando à margem da sociedade um grande número de pessoas, negros e negras, uma minoria racial nos EUA (12%), uma maioria em termos populacionais, no Brasil (54%).

As terras do Tio Sam têm um grande histórico de opressão racial, contando longos anos de escravidão e depois da abolição um conjunto de leis segregacionistas que vigoraram até 1964. Ainda que as leis tenham sido extintas o racismo perdura como um elemento estrutural que se manifesta muito nitidamente no lugar social ocupado pela população negra nesse país.

Depois do assassinato do George Floyd, homem negro de 46 anos na cidade de Minneapolis, uma grande onda de protestos se espalhou pelos EUA. No momento em que escrevo esse texto se completam oito dias de manifestações radicalizadas por vários estados, inclusive com enfrentamento com a polícia e destruição de espaços identificados com a opressão racial. Algo como nunca se tinha visto na história dos estadunidenses.

O racismo que se manifesta das mais diversas formas tem nos EUA a violência policial como um de seus aspectos mais visíveis. Durante anos a atuação de um dos mais conhecidos movimentos do povo negro estadunidense, o Partido dos Panteras Negras, teve como foco uma atuação contra a violência racista da polícia. Há décadas que o movimento dos Panteras Negras se desfez, no entanto, a polícia estadunidense ainda é uma instituição tremendamente racista que acumula repetidos casos de violência contra a população negra, inclusive com vários casos de morte.

Nesses últimos dias, certamente agravada pela crise econômica que vem na esteira da crise sanitária, mesmo com o risco colocado pelo maior pandemia da historia da humanidade que nesse momento tem os EUA como epicentro, não houve o que contivesse a ira popular diante de mais um dos muitos casos de violência racista que tem ceifado a vida de inúmeros negros estadunidenses. Mais de uma semana de protestos não só põem fogo, literalmente, nos EUA, mas incendeiam outras paragens com as chamas da insurreição.

 O Brasil que teve uma história mais longa com a escravidão, recebeu o maior número de africanos escravizados do que qualquer outra parte do mundo e tem a maior população negra fora da África hoje, vive a ameaça do neofascismo materializada na figura de seu governante e das forças que já se organizam nas ruas, como na Itália se organizavam os camisas negras de Mussolini.

Depois de ver as ruas ocupadas pelo bolsonarismo, por movimentos de caráter fascista que pedem a volta da ditadura, o fechamento do STF e do congresso entre outras pautas ultrarreacionárias, setores das torcidas organizadas se mobilizaram para o enfrentamento e se transformaram em ponta de lança da ascensão do movimento antifa tupiniquim.

Junto com as imagens das manifestações antirracistas dos negros estadunidenses as redes sociais no Brasil foram inundadas por símbolos do movimento antifa. Poucos, no entanto, sabem da radicalidade histórica desse movimento nascido da atuação de anarquistas, comunistas e socialistas na luta contra o fascismo desde a primeira metade do século XX. Os ícones divulgados nas redes sociais tradicionalmente apresentam a bandeira vermelha do socialismo / comunismo e a bandeira negra do anarquismo.

O que Trump e Bolsonaro temem, tendo maior consciência de que muitos que tem usado a denominação e os símbolos do antifascismo é o fato de que a luta antifascista se constituiu no mundo como uma luta antissistêmica que tem como objetivo não somente se contrapor às práticas fascistas ou protofascistas, mas a toda uma ordem que torna o fascismo possível. O certo é que realmente a luta deve se radicalizar no sentido de ir às raízes dos problemas que vivenciamos. O antirracismo e o antifascismo deve ser uma luta contra o domínio do capital