É no
mínimo constrangedor que em tempos de pandemia de saúde, ainda seja necessário
parar para abordar questões que há muito tempo já deveriam ter sido absorvidas,
e interpretadas como aspectos básicos de qualquer ambiente democrático. O
respeito a imprensa e aos veículos que a compõe é fundamental para manter um
ciclo virtuoso de esclarecimento e informação, além de ser indispensável ao
exercício coerente da crítica. Afinal, nenhuma observação sobrevive de maneira
substancial em um espaço inquisidor e ofensivo.
A complexa
relação entre o Governo Federal e a imprensa tem gênese anterior a eleição dos
atuais mandatários. Desde antes de assumir a gestão federal, Bolsonaro já
demonstrava seu meio de dialogar com os veículos, tecendo críticas e buscando,
a todo momento, descredibilizar aqueles que julgava incompetentes ou incapazes.
Após o pleito de 2018 esta relação vem evoluindo negativamente, seguidamente o
governo mostra-se seletivo quanto aos veículos de informação. Já se tornou
rotina ver entes do governo dando longas entrevistas e/ou declarações para
ambientes que adotam uma linha editorial mais tênue no que tange aspectos
críticos da gestão atual.
A crise
do novo coronavírus poderia indicar uma mudança no método adotado, no entanto,
ele vem servindo como meio para que o presidente e alguns de seus auxiliares
endossem essa postura, de repelir os meios de comunicação. No início da crise o
presidente chegou a afirmar que a grande mídia estava fazendo histeria, e que
tudo não passava de um alarde desnecessário. A imprensa seguiu realizando seu
trabalho e hoje vê-se, lentamente, o processo de mudança de postura do
mandatário federal.
Atacar a
imprensa é a forma preferida dos aliados de Bolsonaro para agradá-lo, não à toa
o ministro da saúde chegou a afirmar que os veículos de comunicação são
sórdidos, vendem apenas notícias ruins. Esse fato ocorre em um momento no qual
o ministro encontra-se em xeque, pois sente-se no dever de orientar processos
de quarentena social, mas observa seu chefe desacreditá-las cotidianamente.
Acrescenta-se, também, que a demissão de Mandetta foi fortemente ventilada nos
últimos dias. Diante disso, como agradar o presidente? Fácil, basta criticar a
imprensa. Mandetta se retratou, disse que errou, todavia, em uma complexa
situação como a que o país vive, a imprensa deve ser observada como aliada,
jamais, como inimiga.
Os veículos de
comunicação vêm produzindo um trabalho incrível, abrindo espaço para
informação, debates e esclarecimentos. A imprensa é uma das grandes
responsáveis pela não observância do contagio rápido no Brasil. Pois dia após
dia tem construindo um lastro essencial de dados e informações, esclarecendo o
cidadão e apontando medidas fundamentais de precaução e cuidado.
Entretanto, quando o governo não compreende a dinâmica incomum em que todos os
cidadãos estão imersos, tudo fica imediatamente mais complicado. Logo, aqueles
que deveriam auxiliar são notados como algozes vorazes. É isso que ocorre com
relação a imprensa, o governo a percebe como algoz, isso acontece por uma série
de motivos, no entanto, existe um que é primordial. Entre os deveres de uma
imprensa livre está o exercício claro e objetivo da crítica, do incômodo. Este
governo, assim como outros, tem dificuldade de lidar com observações e notícias
que evidenciam os problemas do país e a ineficiência governamental.
Tal contexto
fica ainda mais luminar quando as coletivas são suspensas mediante algumas
perguntas. Quando a questão versa sobre a postura contraditória do gestor
federal, o porta voz da presidência se cala, os ministros saem pela tangente e
reina um silêncio avassalador. As coletivas diárias sobre o coronavírus no
Brasil deixaram o espaço do ministério da saúde, agora são realizadas no
Palácio do Planalto, antes o ministro da saúde às concedia acompanhado de
quadros técnicos do ministério; agora, estará ao lado de ao menos outros quatro
ministros. Há uma vigília as claras, para que todos vejam e notem. Esta mudança
não se vincula ao fato de que o combate à Covid-19 envolve um grupo que expande
o ministério da saúde, mas sim a questão de que os discursos estão
desalinhados. Enquanto Bolsonaro prega que todos saiam as ruas, Mandetta diz o
contrário. É papel da imprensa notar essas incoerências e leva-las ao
conhecimento público.
É papel do
cidadão não aceitar alterações infundadas na lei de acesso a informação, como
se tentou fazer via decreto presidencial. Este momento não pode ser usado para
afastar o jornalismo dos dados, e ao fazer isso, afastar o cidadão da
possibilidade de informar-se diariamente.
O presidente
da República continua constrangendo jornalistas todas as manhãs, menospreza o
trabalho daqueles que são essenciais a vida democrática. Talvez, isso demonstre
o pouco afeto que ele carrega por ambientes que trazem no seu DNA a liberdade. O
jornalismo é exercício de liberdade, de questionamento, de incômodo. Não pode,
em hipótese nenhuma, ser diminuindo e posto como fator desnecessário,
especialmente quando o mundo vive um momento tão definidor. O jornalismo e os
veículos de comunicação registram a história no momento em que ela ocorre, nos
segundos que definem a vida e o seu fim.
Logicamente
que os veículos, os jornalistas e a imprensa erram, exageram. No entanto, neste
momento, em linhas gerais, tal fato não ocorre. Mediante a gravidade dos fatos
é preciso agir, derrubar programações, ampliar o número de reportagens
disponíveis, fazer com a informação chegue, tudo isso vem sendo realizado. O
jornalista está na rua para que o cidadão permaneça em casa.
Em um país que preza pela
democracia, pelas liberdades individuais e de imprensa não possível se furtar a
abordar esse tema. O instante que o mundo vive é um definidor de gerações,
mudará a forma como muitas pessoas percebem os fatos, os dados, a vida. Como
cada ser nota o trabalho de profissionais tão indispensáveis a vivência em
sociedade. Defender a liberdade e sobretudo o respeito a esses profissionais e
aos veículos que eles integram é fazer uma árdua defesa da liberdade, da
democracia e da política. Pois só existe política quando a sociedade compreende
e sabe os meandros que a conduzem, seus dogmas, dores e inquietações. E quem
diz tudo isso são os veículos de comunicação, os jornalistas, todos estes
integrantes de uma imprensa livre e respeitada.
Por Paulo
Júnior, graduando
em jornalismo pela UFCA e um apaixonado por política, literatura e cinema
(no site Foobá)