Por Alexandre Lucas
Pedagogo, integrante da Comissão Cearense do Cultura Viva e do Coletivo Camaradas
Se francês tem o hábito de colocar o pão debaixo do braço e levar para onde quiser, essa não deve ser a mesma lógica para a gestão pública. O processo de construção da Lei Aldir Blanc no país é exemplar para o processo de edificação da política pública para a cultura.
Gestado por diversas vozes e escrito no amparo da compreensão da proteção social, a Lei Aldir Blanc nos apresenta após a sua aprovação cenários contraditórios e entendimentos que descaracterizam a sua finalidade, contando ainda, com uma legislação de transferência de recursos burocratizada e que reduz caminhos para o atendimento das demandas reais.
É preciso reafirmar a Lei Aldir Blanc como uma conquista dos diversos segmentos das culturas e das artes, de gestores públicos e das militâncias partidárias, a lei é uma conquista. Entretanto, a realidade atípica impõe um contexto desanimador: prazos curtos, legislação excludente e burocratizada que distância necessidade, possibilidade e realidade. O que sinaliza a urgência de construir num momento posterior, uma legislação que reconheça a particularidade do setor cultural, profundamente diverso e plural, não só no campo artístico, cultural e estético, mas nos seus modos de organização e atuação.
A Lei Aldir Blanc que nasce da emergência do momento pandêmico para minimizar os impactos econômicos no setor cultural, apresenta o esboço da descentralização de recursos públicos em todo o território brasileiro, com repasse para estados e municípios e ao mesmo tempo evidência o grande marco legal das duas últimas décadas para a política pública do setor, que é o Sistema Nacional de Cultura, composto dos seguintes elementos estruturantes: controle e participação social, planejamento participativo e a garantia de recursos.
A Lei Aldir Blanc também demonstrou a disparidade operativa e política da gestão pública em estados e municípios, em dar o caráter emergencial e abrangente da lei. Alguns gestores municipais renunciaram os recursos penalizando os seus munícipes, outros restringiram a abrangência e negligenciaram os documentos das demandas da sociedade civil.
Entretanto, e, apesar da própria estrutura burocratizada da legislação vigente, muitos estados e municípios conseguiram ampliar o acesso das pessoas e organizações atendidas, acelerar e simplificar os processos de repasse de recursos.
Essas evidências de realidades distintas nos servem para reforçar a luta pela prorrogação do prazo de execução dos recursos da lei, visando que a população e suas organizações não sejam penalizadas e ao mesmo sinaliza que é imperativo neste processo de transição de governos municipais fortalecer a luta para construção de gestões democráticas para a cultura.
O primeiro passo para que as gestões públicas municipais não façam a política do pão francês é criar ou consolidar os seus Sistemas Municipais de Cultura, para que a Cultura seja tratada como política de estado e tenha uma configuração democrática de fato e de direito.