Alexandre Lucas
Pedagogo, presidente do Conselho Municipal de
Políticas Culturais do Crato/CE, integrante do Coletivo Camaradas e da Comissão
Cearense do Cultura Viva.
É impossível desconsiderar na laranja o bagaço e a
casca. Da mesma forma é inaceitável tratar as eleições municipais fora da
conjuntura nacional. As eleições municipais e a gestão das cidades são o bagaço
que compõem o complexo arranjo político nacional. Os resultados das eleições
locais incidirão diretamente nas eleições de 2022. Desvincular o processo
eleitoral de 2020 do cenário em que se apresenta o governo Bolsonaro é a
estratégia eleita pelas forças alinhadas à base de sustentação do bolsonarismo
para vencer o campo democrático, progressista e popular.
As candidaturas bolsonaristas já vestiram as suas
fantasias para negar ou esconder Bolsonaro dos seus intentos políticos. O
discurso dominante dessa elite que serve de sustentáculo para o
conservadorismo, reacionarismo, liberalismo e a selvageria neopentecostal é de
que as eleições são locais, portanto, a única coisa que ser deve discutir são
as propostas para a cidade. Esse discurso pode até convencer, entretanto,
cabe ser desmascarado.
É preciso rasgar essas fantasias e colocar em jogo
a necessidade de reverter a correlação de forças políticas, ampliando as
condições favoráveis para uma ambiência democrática. A disputa de narrativa
nessas eleições exige para o campo progressista e de esquerda que aprofunde o
conhecimento sobre a cidade e encontre alternativas para construir cidades mais
democráticas, a partir das condições possíveis e ao mesmo tempo deve servir
como plataforma de acumulação de forças anti-bolsonaristas. As eleições
municipais não são uma carta de boas intenções. Se quisermos mudar o cenário, vamos
precisar definir quem é o inimigo central, ampliar os diálogos e as alianças
para derrotar as forças antidemocráticas e de caráter fascista. Ampliar
nossas vozes significa ir para além dos ouvidos das esquerdas e dos movimentos
identitários. Eleições se vencem com votos, não adianta contradizer: se não
tivemos votos, não ocuparemos os espaços políticos de decisão.
As eleições são parte do jogo político e têm regras
claras, se ganha com votos. Apesar de predominantemente os votos terem seu
valor, o que torna uma luta desigual para o campo da esquerda, vinculada mais
diretamente aos movimentos sociais. Temos que ser a casca e o bagaço nas
eleições municipais e advogar contra o isolamento. O purismo eleitoral pode ser
uma catástrofe política e nos distanciar cada vez mais dos espaços de poder e
de construção das condições objetivas para o processo de transformação
social.
A nossa luta nunca foi fácil, as condições atuais
não estão favoráveis, outras forças estão no jogo político, como o movimento
neopentecostal, que alia barganha econômica e militância orgânica orquestrada
para destruir a esquerda. Não nos enganemos: após eleger Bolsonaro, os templos
da intolerância e do obscurantismo estão organizados para eleger os seus pares
contra a democracia, emancipação humana e a esquerda. As eleições
municipais não estão separadas da casca e do bagaço. Desconfie de quem
quer ser só o bagaço nessas eleições.
Foto:
FNE