Segue abaixo texto escrito pela historiadora Íris Tavares especial para o Leia Sempre. O texto faz uma reflexão sobre o processo de consolidação da luta em defesa da democracia e da defesa dos direitos e da ação política das mulheres. Está publicado na edição desta quarta-feira, 25, do Boletim Panorama Político.
Vale a pena ler e refletir:
A ÁRDUA MISSÃO DE CONSOLIDAR A DEMOCRACIA
Íris Tavares Kariri
Historiadora. Mestre em
Políticas Públicas. Escritora e educadora social
A eleição de 2010 consagrou a participação
direta da mulher na disputa eleitoral para o comando da Republica do Brasil. A
vitória da ex-presidente Dilma Rousself, inevitavelmente, inaugurou um novo
período político no país dos pijamas e fardões autores das mais variadas
manifestações recheadas de um saudosismo de um passado não muito distante
representado pelos fardados. Um exército que imprimiu a ferro e a fogo a
propaganda de uma pátria madrasta das suas filhas/os cuja as ideias insurretas
foram condenadas e amordaçadas. “Brasil ame-o ou deixe-o”. Jason Stanley nos faz refletir sobre o “Passado Mítico”, a sua
significação no presente ao interagir com a base da identidade da nação
submetida à política fascista.
Oito anos do governo Lula (2003-2010)
contribuíram decisivamente para viabilizar a sucessora para um novo mandato
forjado na continuidade do projeto político com forte apelo na participação
popular e no diálogo com os movimentos sociais e em defesa da democracia.
A vitória de Dilma foi de grande
significação. Seu principal apoiador foi o líder e carismático ex-presidente
oriundo de uma trajetória de engajamento e militância social que a partir dele
se personifica com a ascensão de um nordestino, torneiro mecânico, líder
sindical em defesa da classe trabalhadora.
Em seguida nessa construção ascende uma mulher, a primeira presidente em
toda a história da República do Brasil. Não foi por acaso que o discurso da
capacidade e da competência surgiu ancorado na retorica machista. A mulher foi
severamente sabatinada. Mesmo graduada em Economia, foi secretaria de estado e
ministra, todavia o que pesava contra aquela mulher era o fato de ter sido
membro da resistência no período em que o Brasil estava submetido a ditadura
militar. Em 2008 como Ministra da Casa Civil participou de um debate na
Comissão de Anistia, onde relatou a sua escolha e o seu envolvimento na luta
contra a ditadura no Brasil. Havia uma
condenação explicita entre alguns parlamentares e grande parte da sociedade que
acompanhava aquele debate. ”Na ditadura uma mentira pode salvar pessoas da
tortura e da morte”. No fascismo a mentira, o mito, está conectada ao ideário
totalitarista que se utiliza da emoção da nostalgia para alimentar os
princípios centrais dessa ideologia para promover: autoritarismo, hierarquia,
pureza e luta.
As correntes mais conservadoras ao longo
dos doze anos do governo petista chegaram no limite de esgotamento de suas
investidas, o arco de alianças e a base aliada que dava sustentação ao governo,
presentes no Senado e na Câmara Federal, misturaram-se neoliberais e ultra
conservadores entre os bochichos e insatisfações das representações de partidos
políticos que se alinhavam com métodos pragmáticos, vislumbravam futuros
rebentos e apostavam na complexidade do tabuleiro da micropolítica tão bem
ensaiada no Brasil.
O que é um golpe, senão a ruptura com a
democracia? O golpe praticado contra a
ex-presidente Dilma pode significar, entre outras coisas, um sinal de atraso,
no qual a política brasileira está submetida. Os ataques, os discursos
proferidos nas manifestações golpistas acendeu uma luz no fundo do túnel. Um
partido e uma mulher, por que despertariam tanto ódio?
O ódio proferido contra a deputada federal
Maria do Rosário, em um “aparte” concedido ao ex-deputado federal, Jair
Bolsonaro, no plenário da Câmara em 2014, repetia o insulto que já havia
verbalizado e transmitido em rede nacional. “Só não te estupro porque você não
merece”.
Parte da sociedade brasileira no período
de 2003 a 2016 foi provocada a se incluir no processo de participação que
seguia uma agenda propositiva sobre temas invisibilizados. Em destaque para
esse ensaio nos reportamos aos temas relacionados aos direitos humanos, da
violência contra a mulher, a questão de gênero, o racismo, a intolerância e a
orientação sexual. Temas polêmicos frente ao amplo público alimentado nas
raízes do conservadorismo. A Lei Maria da Penha foi a primeira legislação sobre
a violência doméstica no Brasil. A campanha e os instrumentos ofertados para
tirar da invisibilidade a maior chaga que sobrevive no seio das famílias, a
matança, o feminicidio, das mulheres.
Veio à tona o tamanho e os números desse fenômeno.
A pergunta que não cala. De que forma a
violência contra o gênero fortalece a política da ansiedade sexual? Stanley chama atenção para o fato da
igualdade exercida pelas mulheres, tornar-se uma desconstrução do papel dos
homens como únicos provedores de suas famílias. A violência funciona como uma
castração física, emocional, psicológica e política.
“Resistência: mulheres do Ceará com Dilma”
foi um movimento em defesa da presidente Dilma que teve origem no Ceará.
Tratava-se de um grupo suprapartidário composto por mulheres que na sua maioria
possuía militância feminista. Com forte atuação desde a campanha da reeleição,
manteve-se ativo pós eleição, as mulheres avaliavam que a ira conservadora não
descansaria até consolidar o golpe com a derrocada da presidente Dilma. Uma
análise correta e que veio a se concretizar nos primeiros dois anos do seu
mandato.
A esquerda brasileira pensava que sabia de
tudo, ou quase tudo, inclusive imaginava que todo o arsenal da extrema-direita
era tão previsível, quanto as teorias ensaiadas nas discussões políticas e
ideológicas assinadas pelos intelectuais, elaboradores de estratégias,
dirigentes e militantes. Ledo engano. Enquanto a “normalidade” engendrada no
fazer político de muitas pessoas parecia seguir o ritmo inexorável do tempo,
planos foram arquitetados no submundo da política, nos ambientes virtuais onde
as fronteiras da ética são invadidas pelas fakenews, o império da mentira é
implantado por meio das notícias falsas. Uma indústria montada para ter
audiência, ganhar atenção, manipular interesses e serviços na associação de
processos corruptivos de toda ordem e natureza. A eleição presidencial de 2018
foi resultado desse plano que precisou de tempo para sua elaboração e execução.
O tempo ganha mais velocidade no ambiente virtual, quando a intensão é
confundir o passado e o presente, a verdade e a mentira. A fonte da maldade é
ilimitada. A maior parte do público consumidor das redes sociais é tão voraz
quanto ingênuo. É tão aventureiro quanto amante do superficial.
O mandato tampão presidencial, pós golpe
2016 contribuiu com o vazio na política. Um vazio que foi sendo ocupado com o
perfil de um candidato que mantinha os dedos em punho como uma marca de sua
campanha. Declarava que a sua única filha mulher, era o resultado de um desvio
que cometera, uma “fraquejada”. O ódio foi o tempero que despertou a amargura
coletiva de parte da sociedade que se juntou aos impropérios, xingamentos de
toda ordem contra os “comunistas”, mesmo depois de eleito a cruzada não cessou.
Surgiu entre jovens apoiadores a pior versão de Sarah Winter, protagonizada por
Sarah Giromine que entrou para história com a queixa de não ser aceita e
reconhecida como feminista pelo movimento feminista brasileiro.
Rosana
Pinheiro em
“Amanhã vai ser maior” nos faz
refletir sobre a vitória da extrema-direita, todavia considera que as
feministas também venceram. Conseguiu surpreender com sua narrativa embasada no
rigor cientifico e destaca a importância do fazer político e a participação das
mulheres no poder. As mulheres lançaram uma contra campanha de grande
mobilização virtual e presencial de milhares de pessoas dentro e fora do Brasil
que assumiram a campanha #EleNão.
Além disso é importante destacar o blog Escreva Lola Escreva especializado em
gênero e feminismo que publicou o perfil de Sarah. Um espectro de
feminista-antifeminista, que usava as redes sociais para provocar e
escandalizar seus seguidores com declarações emotivas e improprias sobre o
direito e a razão de ser das mulheres se organizarem. Liderou um pequeno grupo
de manifestantes que denominou de “300 do Brasil” que marchou encapuzado em
frente à Praça dos Três Poderes declarou guerra ao legislativo e judiciário.
Ameaçavam atear fogo na sede do Supremo Tribunal Federal.
O despertar da primavera feminista no
Brasil tem florescido com as vozes e os corpos das mulheres em movimento e na
luta. São conhecimentos e saberes que bebem a esperança no horizonte da
pedagogia dialética do mestre Paulo
Freire. O feminino se ampliou e fez brotar amor no terreno do medo.
Germinaram sentimentos e sensações no horizonte utópico e radical da liberdade.
É o Brasil das Marias, meninas, jovens, maduras e anciãs que soletraram com a
mente, corpo e alma, a resistência, a solidariedade, a empatia. E os nossos
direitos? Conquistamos!