19/09/2020

Os equipamentos desprezados da cultura. Por Alexandre Lucas*

  

                                                         (imagem: Toda Matéria)


“Que tempos são estes, em que temos que defender o óbvio? ”, Bertold Brecht continua atual. A escola e a cultura precisam ser defendidas na sua obviedade indissociável. É impossível tratar da escola sem considerar os aspectos e contextos histórico-sociais e nem é possível refletir sobre cultura sem considerar os processos educacionais de apropriação da realidade histórico-social. 

Apesar do caráter indissociável entre escola e cultura, a escola tem funções específicas para cumprir sua principal função social que é democratizar o conhecimento científico, filosófico e estético-artístico produzido histórico e socialmente pela humanidade.  Para o campo progressista da educação, tratando especificamente da escola pública, esse tipo específico de conhecimento deve servir ao processo de emancipação humana e de contribuição à transformação social, o que diferencia das compreensões conservadoras e tradicionais que vislumbram o saber como instrumento de manutenção da realidade socioeconômica e da formação do dirigidos para ampliação e concentração do capital.         

O que coloca a escola no campo de disputa de concepções pedagógicas antagônicas, em que a luta de classes aparece de forma acirrada e na maioria das vezes imperceptível, falseada no discurso de neutralidade e imparcialidade da educação, construído ideologicamente como se fosse possível falar de uma educação universal, numa sociedade dividida entre oprimidos e opressores, explorados e exploradores, dirigidos e dirigentes, entre escolas distintas e públicos distintos, distinção  marcada pelos poder de compra,  entre classes sociais inconciliáveis, tendo vista, os seus interesses conflitantes.                          
Escola e Cultura não se separam deste campo de disputa de interesses, nem cabem numa unicidade de compreensão. Ao mesmo tempo que a escola não é concebida de uma única forma, a cultura por outro lado, não pode ser achatada e deformada na mesma esfera. Na ideologia hegemônica, a cultura é associada a algo bom e distante das camadas populares. Não é por acaso que a expressão “fulano de tal tem cultura” faz tanto sentido no senso comum, pois cultura neste caso está associado não apenas a pessoa letrada, mas também ao seu poder de aquisição de bens.  

“Fulano de tal tem cultura” compõe o mesmo repertório de que “o povo não tem cultura”. Ou seja, reproduz uma narrativa de exclusão e dominação. É bem verdade, que a cultura não depende da escola, porque ela independe desta, porém, a escola, não é qualquer espaço ou mais um espaço, onde a cultura atravessa: é o principal espaço de difusão da cultura, em que os saberes populares e científicos se transformam em novos saberes, em novas forma de apropriação realidade, em que o ponto de chegada do conhecimento é sempre ponto de partida, como nos ensina a dialética.  

A escola compreendida como primordial equipamento de difusão da cultura, local e global, empírica e científica, tradicional e contemporânea e disputada por narrativas antagônicas de sociedade, não pode ser desprezada, mas percebida como parte da luta pela democratização e emancipação humana, como instrumento de formação integral dos seres humanos.
 
Se a escola é parte da cultura e a cultura é algo estratificado socialmente, sendo destinado as camadas populares um repertório, estético, artístico, literário e cultural reduzido, enquanto uma cultura massificada de alienação, opressão e submissão encontra capilaridade nos veículos de comunicação e nos espaços escolares, neste sentido, a escola deve compor outra agenda.

A política pública para cultura deve incluir as escolas e a cultura deve fazer parte da política pública para educação. É impossível desassociar a escola da cultura, é o mesmo que tentar separar as folhas do tronco da árvore e esperar desenvolvimento. 

A escola deve ser reconhecida e preparada como principal equipamento cultural das camadas populares, onde a fruição estética, artística, literária e cultural e os circuitos das artes possam circular sem excepcionalidade, mas enquanto política de Estado.  

Alexandre Lucas I edagogo, presidente do Conselho Municipal de Políticas Culturais do Crato/CE, integrante do Coletivo Camaradas e da Comissão Cearense do Cultura Viva.