Por Marcos Leonel, escritor e cidadão do mundo
Vários mistérios rondam os tempos sombrios de agora. Inclusive há uma tese a ser defendida que no Brasil de qualquer era, qualquer tempo é sombrio. Dos inúmeros enigmas fajutos que rondam essas órbitas obscuras um deles se destaca pela sua simbologia no imaginário coletivo, desde o reinado original de Tupã ao império mercantilista dos deuses fascistas que sustentam o conservadorismo medieval das ultramodernas igrejas atacadistas, que emporcalham a fé e elevam o milagre ao patamar da patifaria. A esquerda existe? Será um monumento, um museu estéril, ou tem, mas está faltando?
A esquerda comunista criada na fartura imbecilista do gabinete do ódio não existe, nem de fato e nem de direito. Essa é uma mescla de anacronismo crônico com o que existe de mais avançada tecnologia neural de influenciamento cibernético. Deu certo. O que não existe mais foi ressuscitado nas terras do terraplanismo e cultivado largamente no terreno fértil da ignorância brasileira. Nada é mais telúrico no Brasil do que a ignorância. A ignorância daqui canta como um sabiá, que vive entre palmeiras, num eterno exílio, alheio a qualquer evolução mínima. O medievalismo está dentro da gente, como o sertão. Essa é a contiguidade colonial, uma herança dentro da outra, como matrioskas da mediocridade.
Eis que os bolcheviques entraram no imaginário tacanho brasileiro com a mesma força cultural e comportamental de um carro alegórico entrando no sambódromo. Uma esquerda alegórica. A alegoria nazista de criar o inimigo bolchevique para que a Gestapo e a Waffen-SS justificassem a prática sistemática do ódio e do extermínio, foi repatriada para o Brasil, via macarthismo americano, para justificar a criação dos campos de concentração ideológicos, instalados nos confins da carnavalização da esquerda brasileira. E ela aceitou. Assumiu categoricamente esse papel fantasmagórico de resistência ao avanço pragmático das forças nazifascistas. Para tanto, a esquerda brasileira emulou a si mesma, criou um auto-holograma, com a sofisticada nano tecnologia pirata da engenharia reversa chinesa, com resquícios maoístas, leninistas, trotskistas, marxistas e outros penduricalhos anacrônicos socialistas.
Enquanto o terceiro milênio finca raízes na hipertecnologia e evangeliza os incrédulos com sua doutrina de desmaterialização, na terra de Tupã e Edir Macedo, uma batalha político ideológica é travada com o requinte passadista da história. Enquanto um grupo fascista criado nos laboratórios da fé miliciana invade hospital, agride, ameaça e chama de assassino o médico que fez o aborto, “por intermédio da justiça”, em uma criança de 10 anos estuprada em série pelo tio, um grupo de manifestantes finca cruzes nas areias elitistas de Copacabana, em protesto pela morte negligenciada de mais de cem mil vítimas do novo coronavírus. Enquanto a polícia, trucida, humilha e mata negros e pobres nas periferias, estimulada pelo abuso de autoridade de espécimes criadas nos laboratórios supremacistas bolsolavistas, como o miliciano de toga Eduardo Almeida, a esquerda eleita elabora infindáveis e fracassadas notas de repúdio.
A maior crise existencial da esquerda brasileira está em curso: ela pensa que pensa, mas não pensa. Ela é um simulacro, um pastiche intelectualista. Quando o clientelismo de Bolsonaro faz subir a popularidade fascista, mesmo em meio às estratégias genocidas de combate à pandemia, com todo o extermínio descarado da floresta amazônica, além de escândalos rotineiros do esquema de rachadinha, bem como o desmonte categórico da educação, passando pela boiada que passa, que passa pela privatização da água, pela facilitação da ação das milícias do garimpo, dos grileiros, pelo descontrole intencional das armas, pela militarização do governo e pelo embuste econômico do primarismo das reformas, que afunda o país historicamente, isso revela não o sucesso ideológico dos cuneiformes fecais, mas a derrota emblemática da inoperância prática e teórica da esquerda, que herdou o século XIX e lá ficou.
A esquerda que reivindica ser esquerda é completamente soterrada pelas inúmeras tendências e correntes internas, todas inócuas, todas divisionistas, todas motivadas pelas teorias fundamentalistas extáticas ou pela avidez ensandecida de comandar o poder do partido. A esquerda gourmet habita as hordas virtuais e escreve postagens descoladas, citando velhos literatos viciados em naftalina, usando moletons de grife sobre os ombros, como se fora o manto da inutilidade. A esquerda panfletária discute, ainda, a revolução proletária enquanto cria jargões para um movimento extremista qualquer, o que resulta em minoria falando para a minoria. A esquerda proselitista tem a mesma teoria para tudo e fala e fala e fala e só fala. Não passa de falácia oposicionista. Olho para a minha esquerda e a vejo atônita, lutando contra a desoperação. Enquanto isso fico abismado com a coragem dos libaneses que depois da explosão explodiram o governo fascista.