Por Jair de Souza*
Antes de começar a abordar as questões que me motivam a escrever este artigo, gostaria de esclarecer os significados das expressões políticas “direita” e “esquerda”, que vão estar presentes ao longo do texto
O uso dos termos “direita” e “esquerda” com conotação política surgiu a partir de um acontecimento fortuito durante o transcurso da Revolução Francesa.
No recinto parlamentar da França naquele momento histórico, por mera casualidade, os representantes escolhidos para compor a Assembleia da nação ocupavam as seguintes posições no espaço físico da casa:
a) No lado direito do edifício se sentavam aqueles que estavam identificados com os interesses dos poderosos, ou seja, dos burgueses, dos grandes proprietários de terras, do alto clero e dos remanescentes da nobreza.
b) O lado esquerdo, por sua vez, passou a ser ocupado por aqueles que procuravam representar os interesses das maiorias trabalhadoras, ou seja, dos operários, dos camponeses, dos diaristas, da gente desprovida de grandes fortunas.
Poderia ter sido ao contrário, mas foi devido a essa casualidade que ser de “direita” passou a significar ser um defensor das causas que favorecem aos poderosos, aos ricos, aos potentados.
Ao passo que ser de “esquerda” tornou-se equivalente a representar as aspirações das maiorias populares, dos setores não privilegiados de uma sociedade, dos trabalhadores e dos pobres em geral.
Feito este esclarecimento, podemos dar início a apresentação daquilo que de fato nos preocupa.
Desde o golpe que derrubou o governo Dilma, em 2016, a crise econômica vem se agravando e, em consequência, as condições de vida dos trabalhadores e da gente humilde em geral vão se tornando mais difíceis a cada dia.
Em momentos tão conturbados como estes, é compreensível que os militantes de esquerda entrem em desespero ao constatar que uma parcela significativa do povo sofrido começa a demonstrar aceitação, ou pelo menos resignação, em relação com aqueles que mais acintosamente se colocam contra seus interesses de classe.
Sim, é desesperador ver como o fascismo vai ganhando expressão entre os setores populares que são suas principais vítimas. É mesmo muito duro ver gente humilde expressando tolerância ou simpatia a quem os odeia com todo rancor.
A gente se pergunta: por que o povo não consegue entender que somos nós da esquerda que temos o desejo e a disposição de defender de verdade seus interesses?
Por que um cara medíocre intelectualmente e sem um partido político de peso consegue dispor de um esquema de comunicação capaz de enfrentar com eficiência até mesmo a poderosíssima rede Globo?
Por que, apesar de contarmos com número muito maior de quadros e com um partido político grande e bem estruturado, deixamos que a direita se apropriasse dos louros relativos às melhorias sociais que os setores populares obtiveram em função de nossas medidas políticas quando estávamos no governo?
Também poderíamos nos perguntar: por que mesmo quando, atuando na oposição, derrotamos as propostas antipovo do governo fascista e fizemos aprovar ajuda para os mais necessitados, o governante fascista conseguiu levar para si o agradecimento dos que foram beneficiados (refiro-me especificamente ao auxílio emergencial que forçamos o governo Bolsonaro a conceder)?
Bem, uma conclusão imediata a tirar é que temos sérios problemas de comunicação.
Está mais do que na hora de que a esquerda aprenda a usar de modo mais prático o potencial das redes sociais.
Passamos muito tempo deixando as redes sociais (Whatsapp, Facebook, Instagram, Twitter, Youtube, etc.) quase que inteiramente à disposição da direita.
Precisamos resolver este problema imediatamente.
No entanto, seria um grande erro acreditar que apenas com isto a esquerda voltaria a ocupar a posição que acabou perdendo devido a seu vacilo.
Por mais que nos esforcemos, por mais que nossos quadros capacitados entrem em ação com todo vigor, nosso poder de comunicação via redes sociais digitais jamais conseguirá se equiparar ao que a direita tem condições de dispor.
E a razão para uma conclusão tão negativa se deve ao fato de que nós não podemos contar com os mesmos recursos que as redes sociais oferecem aos representantes do fascismo.
Todas as plataformas de redes sociais existentes no Brasil são de propriedade e estão sob o controle de grupos multinacionais com os quais nós não temos nenhuma afinidade ideológica nem de interesses econômicos e geopolíticos.
Ou seja, exatamente o oposto do que ocorre com os representantes da extrema direita.
Para os representantes de Bolsonaro (e da direita em seu conjunto) não há grandes dificuldades para ter acesso aos tais algoritmos mágicos, aqueles que são capazes de indicar com precisão qual mensagem deve ser enviada para quem, aqueles algoritmos que têm o poder de disseminar com muito mais força as mensagens que estão em consonância com os interesses dos controladores das redes, etc.
Temos muito que avançar neste campo, mas esta não pode ser nossa tábua de salvação.
Dito isto, surge a nova pergunta: o que fazer para que nosso poder de comunicação consiga levar a esquerda a ser compreendida pelo povo que a esquerda quer representar?
E a resposta para esta questão crucial não está tão dependente dos avanços tecnológicos como muitos podem acreditar.
Sem desmerecer os esforços necessários na implementação e melhoria de nossa presença nas redes sociais digitais, o fator que vai ser realmente decisivo nesta árdua tarefa é o velho e tradicional trabalho de base.
Para reconquistar para a esquerda a confiança daqueles a quem só a esquerda pode e deseja ajudar é preciso que os militantes da esquerda voltem a estar presentes no dia a dia deste povo.
Lamentavelmente, durante os governos petistas, a militância de esquerda se afastou das bases, permitindo que outros grupos avançassem sobre os espaços abandonados.
Em especial, a direita neopentecostal soube ocupar tais brechas, e soube como impor a grande parte dos que estavam tendo suas condições de vida melhoradas a ideia de que se tratava de uma vitória do indivíduo e de Deus (claro que com a intermediação “indispensável” dessas igrejas).
A militância de esquerda não estava lá para disputar essa visão, por isso, a imposição do pensamento individualista e egoísta prevaleceu.
Também não quero dar a entender que vamos voltar ao trabalho de base nas periferias e a vitória vai chegar rapidinho.
Claro que não vai ser assim tão fácil.
O caminho para o trabalho de base da esquerda é sempre muito mais cheio de espinhos do que o da direita.
E não é difícil entender a razão para tal.
Nas periferias onde é forte a presença das milícias ou dos traficantes clássicos o trabalho dos pastores da direita neopentecostal não sofre nenhum problema sério.
Ao contrário, são conhecidos vários casos de simbiose entre os interesses da milícia/tráfico e de certas igrejas.
A não necessidade de prestar contas da origem de seus recursos tem servido para que algumas igrejas em certos lugares acabem por se tornar lavanderia do dinheiro ilícito proveniente das atividades das milícias/tráfico.
Além disso, nem os traficantes, nem os poderes econômicos tradicionais se sentem ameaçados pela atuação das igrejas neopentecostais.
Logicamente, a militância de esquerda sabe que nunca vai poder contar com essa benevolência de parte daqueles que vivem da exploração da população mais necessitada.
Portanto, não se pode esperar um tratamento amigável por parte desses criminosos.
Tudo é mais difícil, sem dúvidas.
No entanto, este me parece ser o único caminho que pode nos conduzir a um futuro vitorioso.
Em outras palavras, a retomada da comunicação direta com o povo trabalhador é o caminho mais seguro para alcançar o destino almejado: uma vida mais digna e justa para todos.
As dificuldades são muitas e enormes, mas o simples fato de participar desta luta já é uma grande recompensa para os que estão imbuídos de um espírito de solidariedade.
*Economista formado pela UFRJ; mestre em linguística também pela UFRJJ