02/07/2020

Artigo: A continência do absurdo, por Marcos Leonel



As ações mais que suspeitas do atual governo continuam em andamento, a boiada continua passando, sem que a imprensa e as autoridades públicas apresentem de fato as suas armas nesse duelo contra o crime. E de fato, as armas estão em evidência, mais do que nunca. Elas saíram do submundo do tráfico nas fronteiras brasileiras e assumiram um papel importante no submundo da política, com roteiro escrito pelo Exército e dirigido por, nada menos, do que o presidente da República.

 

No último dia 29 de junho foi aberta uma consulta pública para coletar opiniões da sociedade brasileira sobre o caso do rastreamento de armas e munições pelo governo. Essa consulta relâmpago, aberta só até 5 de julho, foi instituída pelo Exército e é alvo de críticas isoladas de alguns setores específicos da sociedade civil, exatamente pelo fato de não ser amplamente divulgada pela imprensa. O assunto é grave por vários pontos, não só pelo fato dessa audiência pública servir como álibi de que a sociedade participou democraticamente dessa manobra escusa, mas também pelos aspectos que envolvem diretamente a criminalidade.

 

Em abril desse ano, o presidente fez um pedido muito suspeito ao Exército, que houvesse a revogação das portarias 46, 60 e 61, do próprio Exército e que definem regras de controle de armas. Essa decisão impede o rastreamento, identificação e marcação de armas e munições fabricadas no Brasil ou importadas. O Exército atendeu a esse disparate e Eduardo Bolsonaro comemorou a decisão do pai em redes sociais. O pretexto é atender ao pedido de clube de atiradores e colecionadores, como também evitar o desmonte da indústria brasileira de armamentos, segundo o general Laerte de Sousa Santos, chefe do Comando Logístico do Exército. O fato está sob investigação e o último ato, o da recente consulta pública é mais um engodo, é mais uma tramoia.

 

Liberar o acesso irrestrito às armas para a proteção da família e da propriedade era uma promessa de campanha, mas como tudo que foi prometido em campanha está sendo desmascarado como promessas de um vigarista, esse episódio envolvendo o Exército se torna um ato político extremamente grave. Principalmente depois de vir a público a famigerada reunião ministerial do caos, acontecida em 22 de abril, em que o presidente deixou muito claro que desejava armar a população para evitar uma ditadura. Na lógica presidencial a sociedade armada daria apoio nas ruas para a “derrubada” da política de esquerda e daria apoio para a implantação do golpe militar, fartamente anunciado por ele, por seus filhos, e por seus sabujos.

 

As Forças Armadas têm várias narrativas históricas no governo bolsonarista. Todas elas fajutas e pejorativas. Todas elas beirando a criminalidade. A militarização do governo tem um preço irreversível para a imagem e a conduta das Forças Armadas. O fato negativo não se restringe a compor o pior governo de todos os tempos, farto em amadorismo e irresponsabilidade pública, a ponto de ter que responder em tribunais internacionais a negligência sanitária que já tem mais 60 mil mortos pela Covid-19. Fazer parte de um governo que atenta contra a democracia, defende e propaga a tortura e a volta do AI-5, além de assumir descaradamente posturas nazistas, não é necessariamente o maior exemplo de ilibação.

 

Não existe nenhuma fórmula que seja capaz de separar as Forças Armadas do caos administrativo do País, da incompetência, da arbitrariedade e da incapacitação de proteger e obedecer a Constituição. Existe um universo de incriminações dolosas e culposas que já envolvem as Forças Armadas nesse desgoverno. Basta o silêncio macabro dos generais na reunião ministerial do caos. Agora vem a implicação direta na facilitação do armamento de narcotraficantes e milícias. Uma consulta pública não é capaz de camuflar isso.


Marcos Leonel

Cidadão do mundo