Douglas é cofundador da Uneafro, uma das
150 entidades que compõem a Coalizão Negra por Direitos,
que formulou uma série de propostas para enfrentamento a problemas históricos e
urgentes, além do manifesto “Enquanto houver
racismo, não haverá democracia”. Douglas explica: “O racismo é um
elemento fundamental a ser considerado na leitura do que é o Brasil e o mundo.
Isso, para pensarmos possíveis soluções e imaginarmos um futuro com a superação
deste momento”.
O movimento negro sempre cobrou,
denunciou e formulou propostas para as sucessivas crises da história do país.
Entretanto, ele precisa ser ouvido de fato, argumenta o ativista. “É preciso
valorizar a elaboração, a construção política, o acúmulo histórico do movimento
negro. Se há uma novidade possível no Brasil, isso partirá da organização e do
acúmulo das pessoas negras organizadas politicamente. Tem propostas, tem
projetos, orientações e saídas para este poço em que estamos enfiados.”
Pandemia e racismo
O mundo passa pela pior crise sanitária
dos últimos 100 anos. A pandemia de covid-19, doença provocada pelo novo
coronavírus, fez parar diversos setores da dinâmica social. Ao mesmo tempo, a
luta antirrascista ganha outra dimensão. O assassinato do norte-americano
George Floyd, em um ato covarde de um policial branco, foi estopim
para o levante das vozes de negros e negras por boa parte do mundo.
“No momento em que o planeta inteiro
estava parado por conta de uma das mais graves pandemias, o único fenômeno
capaz de atravessar isso em âmbito mundial foi o conflito racial. Explodiu a
partir das manifestações nos Estados Unidos, mas ecoou em outros cantos do
mundo porque o problema é sistêmico”, explicou Douglas.
Para o ativista, isso revela a urgência
de o mundo precisar lidar com o racismo, tão enraizado na história da
humanidade. “Existe a necessidade de um debate sério sobre isso. Da
consideração do racismo como um sistema necessário ao poder dos opressores e
que deve ser combativo efetivamente. É preciso fortalecer, para além da
denúncia, as iniciativas de soluções a partir das propostas do movimento negro
organizado”, disse.
Cobrança e coerência
Juntamente com a pandemia do novo
coronavírus e o levante das vozes negras em todo o mundo, o Brasil encontra-se
em uma situação perigosamente incomum. O governo Bolsonaro ignora a pandemia,
enquanto promove desmonte de direitos e instituições, que refletem cruelmente
sobre a população negra. “Temos um governo abertamente racista, genocida e
fascista. Temos um Congresso com maioria alinhada à extrema direita. Temos um
clima social que corrobora muito com a intimidação e a violência racial”,
afirmou Douglas.
Por outro lado, o debate sobre o racismo
– e a urgência do antirracismo – alcança potência inédita. E precisa ser levado
a sério. É o que cobra Douglas. “É preciso cobrar coerência da sociedade em um
momento em que há comoção e um quase hegemônico sentimento de incômodo quanto
às mazelas do racismo. Setores que nunca reconheceram o racismo hoje discutem o
problema. Setores abastados, classe média, grande imprensa pautando esse tema.
Que se cobre coerência dos setores. É preciso que os setores pratiquem o antirracismo.”
Raiz profunda
Douglas avança sobre a questão sobre a
natureza sistêmica e institucional do racismo. “O racismo é pano de fundo e
elemento fundamental de promoção dos principais conflitos, desigualdades e
violências. Não há nenhuma grande desigualdade ou violência sistêmica que não
tenha o racismo como pressuposto o racismo, como elemento que estrutura a
opressão.”
É o racismo estrutural que faz com que
essa população, majoritária no Brasil, esteja à margem em questões sociais
básicas. “O racismo estrutura relações e organiza o poder nesse país. De
maneira em que todos os grandes problemas têm um recorte racial fundamental.
Veja, em relação ao trabalho, negros e negras sempre foram os trabalhadores
informais ou precarizados. Sempre fomos minoria com direitos garantidos”,
afirma Douglas.
“Mesmo no mercado formal são os que mais
demoram para ser contratados, os primeiros a serem demitidos, os que mais
demoram para se recolocar no mercado. Recebem menores salários. São a maioria
dos que sofrem pela ausência do serviço público. A (precariedade da) saúde
pública afeta mais a população negra, ao não ser organizada, universalizada,
como sempre reivindicamos”, completa.
A pandemia surge como elemento que
comprova o argumento de Douglas. “Embora seja um vírus letal e perigosa a todos
humanos, no Brasil ela adoece muito mais negros do que brancos. O que explica
isso? Por que ele mata mais pessoas negras? Isso explica um pouco a estrutura
que organiza a sociedade.”
Dito isso, é importante ver as propostas
e soluções apresentadas pela população negra. Douglas exemplifica: “Em meio à
pandemia, vemos as próprias comunidades fazendo vaquinhas e mutirões para levar
alimento para as pessoas em meio à pandemia. Esse momento de pandemia revela e
explicita o que o movimento negro sempre denunciou e nunca foi ouvido”.