J. FLÁVIO VIEIRA
“obedecer cegamente deixa cego
crescemos somente na ousadia
só quando transgrido alguma ordem
o futuro se torna respirável”
Mário Benedetti
George Floyd era um negro norte-americano de quarenta e
seis anos. Um gigante de quase dois metros de altura fora até atleta de basquetebol. Morava em Minneapolis,
uma cidade do localizada no Norte dos Estados Unidos. Trabalhava, até
recentemente, como segurança de um restaurante,
até perder o emprego por conta da
pandemia de Covid-19. No dia 25 de maio, último, Floyd foi preso sob suspeita
de tentar passar uma nota falsa de vinte dólares, em uma lanchonete. Reagiu,
pacificamente , à prisão. Mesmo assim, algemado, jogado ao chão, no meio da
rua, foi contido por três policiais, um
deles agarrou-lhe as pernas, um outro ajoelhou-se sobre seu peito e Derek
Chauvin, um tira com antecedentes violentos, apertou o joelho sobre o pescoço
de Floyd, impedindo-o de respirar. Mesmo sob protesto dos passantes, não
pararam o processo de assassinato público, a sangue frio, até o desfalecimento
total e à morte. Desesperado, Floyd, no limite das suas forças, contorcia-se e gritou aquelas que seriam suas
últimas palavras:
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I Can’t Breathe ! ( Eu não posso respirar!)
O
tratamento que recebeu não lhe era desconhecido. Nascera no Texas, no Sul,
antro da discriminação racial mais sórdida dos Estados Unidos. Tinha uma
convivência íntima com o racismo nas suas mais amplas formas. O homicídio ,
filmado por transeuntes, espalhou-se como rastilho de pólvora. De repente, os
EUA se viram conflagrados por manifestações e quebra-quebras nas suas mais
sinistras formas. Isso em plena pandemia do Coronavírus, desobedecendo a todas
as determinações de isolamento social. Os protestos se espalhariam, depois,
mundo afora e envolveriam não só os movimentos negros, mas pessoas das mais
diversas etnias, irmanados numa causa única.
Desde 1968, não se via tamanha
fúria. Chegaram até a sojigar o presidente Trump, na Casa Branca, que precisou,
preventivamente, ser escondido em um bunker. E o : “Eu não posso Respirar !” , tornou-se um
grito tribal.
A
súplica de Floyd bateu forte no inconsciente coletivo, quando vivemos tempos
tão pouco oxigenados. Presas , claustrofóbicas , mascarados , pessoas na
vastidão do planeta, buscam o ar que lhes parece faltar. Nas UTI´s , espalhadas
por múltiplos países, pacientes bradam a toda hora, sem respiradores
disponíveis, o grito de Floyd: “Eu não posso respirar!” Os animais da Amazônia,
nas queimadas incontáveis, agora
estatais e oficializadas, suplicam, em meio à fumaça: “Eu não posso respirar!”.
No Brasil, em meio à Teo-freno-agro-casernocracia, onde os mínimos valores de
humanidade passam a ser espúrios, quando
a morte no atacado, a dor , o luto beiram o asco da normalidade, buscamos o fôlego como asmáticos em crise :
“Eu não posso Respirar!” Nas favelas, nos grotões esquecidos da nação, famílias
desamparadas, amontoadas, famintas, sem renda, sem saneamento mínimo, expostas
a todos os riscos de pestes, tentam abrir as janelas dos casebres: “Elas não
podem respirar!” Os profissionais de saúde, cativos nas suas máscaras e EPI´s,
buscam o fôlego a todo custo, sem poder encher o peito de oxigênio. Até mesmo
nosso planeta, em meio à emissão catastrófica de gás carbônico, se pudesse,
esbravejaria lá de cima: “Eu não posso respirar!”
Talvez,
por isso mesmo, o brado tribal de Floyd ganhou caixa de ressonância na
população. Quando o mundo saiu à rua para os protestos, o fazia, sim, em nome
de Floyd e do seu assassinato indecoroso, mas, no íntimo, todos carregam
consigo, também, sua falta de ar, a asma destes tempos tão sombrios e
tenebrosos. Freud explica um pouco Floyd. O sufocamento nos ensina lições de
oxigenação e da luta por tempos mais generosos, altruísticos e respiráveis.
Crato, 05/06/20