Adaptar-se é algo extremamente necessário no mercado de trabalho atual. E com a economia brasileira ainda lutando para se desvencilhar da ideia de uma recessão, vários trabalhadores têm encontrado oportunidades de se manter ativos em regimes parciais de expediente. Mas, para muitos cearenses, empregos parciais ou intermitentes ainda não oferecem a capacidade de sustentar as despesas mensais.
Isso porque, segundo dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), do Ministério da Economia, 50% dos cearenses sob regime parcial ganham menos de R$ 628 por mês. Para os intermitentes, a situação é um pouco melhor, de R$ 1.050, mas com o mínimo registrado para valores recebidos foi de R$ 1,56 em um mês.
As informações do Caged, consolidadas pelo núcleo de dados do Sistema Verdes Mares, ainda indicam que 14.243 pessoas foram contratadas nos regimes parcial ou intermitente no Ceará em 2019. Os dados mostram ainda que, no mínimo, mais de um terço dessas pessoas receberam menos de um salário mínimo. A imprecisão vem por possíveis erros no sistema do Caged, já que um grande número de trabalhadores é enquadrado na categoria de salário por hora, em vez de mensal, segundo os analistas.
Essas dificuldades para conseguir acumular o suficiente para pagar as contas é sentida na pele por Levy Sampaio, de 37 anos, que trabalha desde dezembro como vendedor em uma sapataria no centro da cidade. Os R$ 500 mensais médios que ele recebe na loja precisam ser complementados com ganhos com as funções de coreógrafo de quadrilhas juninas, professor de dança de salão e produtor e vendedor de trufas de chocolate.
Apesar das dificuldades, Levy não tira o sorriso do rosto, mesmo revelando que os ganhos mensais têm sido bastante instáveis. "Vai do 8 ao 80", comenta ele. A felicidade vem pelo agradecimento de ter uma oportunidade de trabalho formal, modelo que enquadra os regimes parciais e intermitentes. Levy estava desempregado até dezembro do ano passado e comemorou quando foi contratado para trabalhar de quinta a sábado vendendo sapatos no Centro.
"Todo mundo que é parcial ou intermitente espera virar tempo integral, mas a gente sabe o momento econômico e viu gente sendo desligada. Então, se eu continuo aqui, é porque gostaram do meu trabalho", diz Levy, revelando entrar mais cedo em alguns dias para mostrar dedicação e garantir nova vaga.
Mas o vendedor comentou também sobre as dificuldades financeiras impostas pelo modelo. "Se dependesse só dessa remuneração, eu teria problemas. Mas eu trabalho com outras coisas para poder gerar uma renda extra. A gente tem de se virar", ressalta.
Inserção no mercado
E essa luta diária do trabalhador acaba representando um cenário bastante complicado da economia brasileira e cearense, como explica Mardônio Costa, analista do mercado de Trabalho do Sine/IDT. Mas a situação não é tão simples quanto parece. A dificuldade financeira de pessoas como Levy também pode representar a primeira inserção, para muitos, no mercado de trabalho em um cenário de lenta recuperação após a recessão econômica.
"Esses modelos entraram em vigor em 2017, então a tendência é ter um aumento dos números de contratação em 2018 e 2019. A recessão impactou o nosso mercado até hoje, até porque estamos apenas em um ritmo lento de recuperação", diz Costa.
O mercado, segundo ele, está se ajustando aos novos modelos e registrou entre 2018 e 2019 um salto do número de contratações parciais ou intermitentes. Em 2018, essas contratações representaram 21% dos empregos formais gerados no ano. Mas em 2019, a proporção passou para 55% dos mais de 10 mil postos de trabalho com carteira assinada gerada no Ceará.
Costa pondera, no entanto, que esses modelos de contratação também representam a modernização do mercado de trabalho, que está se ajustando para atender setores específicos, como o de barracas de praia, que não abrem todos os dias da semana. "Tem o aspecto positivo de gerar empregos formalizados e isso pode aumentar o crescimento de empregos entre jovens, que poderiam experimentar mais o mercado. Isso pode ajudar, também, a inserção das mulheres no mercado, já que algumas têm de conciliar os afazeres domiciliares", explica Costa.
Adaptação
Esse aspecto positivo foi o que levou Rafael Nogueira, de 23 anos, a trabalhar como estoquista em uma grande rede de varejo. Ele divide o dia entre o expediente e os estudos no curso de administração. Apesar da correria do dia a dia, ele não nega que gostaria de garantir uma vaga em tempo integral. As quatro horas diárias que ele dedica ao trabalho o rendem cerca de R$ 500 no fim do mês, valor que não garantiria o sustento se não tivesse o apoio dos pais para pagar as contas de casa.
Segundo Rafael, a vaga de estoquista lhe garantiu, além do primeiro emprego, a oportunidade de realizar um sonho antigo e passar alguns dias das férias na Europa. Mas ele reconhece que se não fosse o apoio dos pais, talvez não teria como se manter em um emprego de regime parcial.
"Essa é uma boa oportunidade, porque eu tenho os benefícios e ainda consigo ajudar em casa com as compras no supermercado. Mas tenho amigos que não aguentaram ficar como parcial porque precisavam de mais dinheiro e queriam uma vaga em tempo integral", diz Rafael.
Mardônio Costa acredita, contudo, ser preciso muita atenção com os dados do mercado de trabalho para avaliar se não está acontecendo a substituição das vagas integrais pelas parciais ou intermitentes. Ele pondera que ainda será preciso aguardar um certo tempo para consolidar um diagnóstico preciso.
Modernização
A flexibilização dos modelos de contratação foi bem recebida pelos empresários do comércio, garante Cid Alves, presidente do Sindicato do Comércio Varejista e Lojista de Fortaleza (Sindilojas). Ele afirma que os modelos parciais e intermitentes permitem uma redução do custo para quem investe, além de proporcionar uma liberdade maior ao trabalhador para procurar mais de uma fonte de renda.
"O trabalho intermitente e parcial é uma modernização. No mundo desenvolvido, o trabalho é por hora. A nova CLT envereda pela modernidade. É mais liberdade para todos, para o trabalhador e para os empresários, pois a remuneração vai poder ser maior em alguns casos", defende.
Ele ainda projeta que a variedade de modelos de contratação permite mais flexibilidade aos diferentes setores da economia local e nacional. "O trabalhador intermitente, dependendo do contrato, poderia estar trabalhando em outros setores, se uma loja não abre a semana inteira. O trabalhador precisa comprar essa ideia, pois ele pode ter uma remuneração maior, e o empreendedor pode reduzir os custos da loja, e quem sai beneficiado é toda a cadeia produtiva", ressalta Alves.
(Diário do Nordeste)