O Ceará registrou neste sábado (2) o pior dia desde que a Covid-19 - a doença provocada pelo novo coronavírus - começou a circular pelo Estado. Em apenas 24 horas, a Secretaria da Saúde (Sesa) registrou 99 óbitos decorrentes da infecção. O número é o maior desde que a primeira morte foi confirmada, em 24 de março deste ano.
O recorde diário - e indigesto - é quase o dobro do que havia sido registrado no último dia 26, quando foram contabilizadas 50 fatalidades em um dia, o recorde até então. Em 27 de março, o número foi para 21, mas voltou a subir e, vem crescendo desde o dia 28 de março. Nessa data, foram 20 registros, evoluindo, em seguida, para: 33, 42, 47 e, agora, 99 confirmações.
Além disso, o Ceará foi o primeiro do Brasil no número de confirmações deste sábado, ficando à frente de São Paulo (75 óbitos), Rio de Janeiro (50), Amazonas (25) e Pernambuco (25).
Ao todo, segundo a plataforma digital IntegraSUS, da Sesa, até as 17h de ontem, já haviam sido registrados 638 óbitos em todo o Ceará; uma média de 16 mortes em razão do novo coronavírus, por dia. Conforme o boletim, 466 vítimas morreram em unidades de saúde públicas, 130 em hospitais privados, 38 em seu próprio domicílio e 4 ainda não dispunham de informações suficientes.
Ainda segundo o IntegraSUS, três em cada quatro pessoas falecidas apresentavam algum tipo de comorbidade, quer seja doença cardiovascular, diabetes, neurológica etc. A maior parte dos óbitos ocorreu com pessoas cuja faixa etária é acima de 80 anos. A letalidade também é a maior já registrada: 7,7%.
Suspeitos
A plataforma também indica a presença de outras 156 mortes suspeitas de Covid-19. Em nota, a Sesa informou que um óbito é considerado suspeito quando o paciente atende aos critérios de definição de quadro clínico como Síndrome Gripal (SG) ou Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG).
De acordo com Ricristhi Gonçalves, coordenadora da Vigilância Epidemiológica e Prevenção em Saúde do Ceará, embora a área trabalhe com modelos preditivos que podem vir a indicar casos e óbitos específicos, "é uma doença nova e a sua disseminação poderá comportar-se de forma imprevisível e de acordo com as medidas de enfrentamento tomadas".
Segundo a gestora, os testes realizados em óbitos suspeitos da infecção viral têm recebido tratamento prioritário através de um algoritmo. A indicação é de que o tempo entre a coleta da amostra, o envio ao laboratório e a liberação do resultado tem sido, em média, de quatro dias. Para agilizar essas atividades, Ricristhi argumenta que "novos laboratórios foram incorporados à rede de diagnóstico".
Epicentro
Fortaleza segue com o maior número de casos e óbitos provocados pela Covid-19 no Ceará. Das 638 mortes já registradas, 498 foram de pacientes da Capital. Durante a semana, a Secretaria Municipal da Saúde (SMS) informou que os casos fatais já se estendiam por 90 dos 121 bairros da cidade.
No último informe epidemiológico também divulgado durante a semana, a SMS afirmou que 75% dos falecimentos de Fortaleza ocorreram em bairros periféricos, de baixo e muito baixo IDH (Índice de Desenvolvimento Humano). As regiões do Grande Pirambu, Grande Vicente Pinzón e Grande Jangurussu preocupam o município.
"Tem todo um contexto social que, para uma epidemia de uma doença respiratória que se transmite pelo ar, os casos se propagam com muito mais facilidade e o isolamento é muito mais complexo, além dessa questão do acesso à saúde e da vulnerabilidade social", explica o gerente da Célula de Vigilância Epidemiológica de Fortaleza, Antônio Lima.
De acordo com ele, há de se considerar ainda a demanda alta de moradores necessitados do Sistema Único de Saúde (SUS) e uma provável maior prevalência de comorbidades. "Os óbitos aumentaram numa proporção similar ao número de casos. Embora tenha tido uma variação de letalidade, os números vão aumentar porque alguns acabaram não sendo confirmados em algumas áreas mais periféricas", explica Lima.
As causas
Conforme o infectologista Anastácio Queiroz, o distanciamento social na periferia é "impossível". "Não é que as pessoas sejam más, elas não podem. Elas moram numa casa que tem sete pessoas vivendo em dois cômodos, em rua onde, entre uma casa e outra, são dois metros", argumenta. Para ele, "a gente tem que ser capaz de convencê-las de que o distanciamento é importante, se elas não entenderem isso, fica muito difícil".
Na análise de Ricristhi Gonçalves, o aumento de óbitos sugere "um provável relaxamento nas medidas de isolamento". Segundo ela, o uso de máscaras, maior rigor nas medidas e controle do acompanhamento de sintomáticos podem "contribuir significativamente para a redução".
Para Antônio Lima, a "mensagem agora é de isolamento mais radical intracomunitário". Segundo ele, é mais complicado manter o distanciamento em grandes adensamentos populacionais. "Mas esse isolamento é a única arma de redução de transmissão, fora a assistência, pois ele daria mais impacto na saúde pública do que esperar o doente adoecer", concluiu.
Número de testes sobe 556%
Desde que a pandemia da infecção provocada pelo novo coronavírus começou a circular pelo Ceará, o Laboratório Central de Saúde Pública do Estado (Lacen), gerenciado pela Secretaria da Saúde, e os laboratórios privados já realizaram, até as 17h16 deste sábado (2), o total de 27.140 testes para identificação de anticorpos do Sars-CoV-2, vírus que provoca a Covid-19.
Os exames são realizados em pessoas que apresentam quadros clínicos com Síndrome Gripal (SG) ou Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG).
(no Diário do Nordeste)