17/05/2021

Plano de Combate ao Racismo e de Promoção da Equidade é apresentado na Câmara de Altaneira

 


Por Nicolau Neto

O dia 13 de maio é uma data histórica no Brasil. Há 133 anos era aprovada no senado do Império do Brasil e sancionada pela princesa Isabel, regente do Brasil, a Lei Áurea. Essa lei é registrada nos livros didáticos como aquela que aboliu a escravização da população negra no país após mais de três séculos.

Quando se fala em abolição da escravização no Brasil é preciso fazer diversos questionamentos, como esses: quais lugares foram delegados a população negra após a assinatura da Lei Áurea? Qual o papel que a população negra escravizada teve nesse processo?

É preciso destacar que essa abolição é inconclusa. O que não é contado na grande maioria dos livros didáticos nas escolas é que essa abolição mesmo inconclusa foi fruto de uma campanha popular que pressionou o Império para que a instituição da escravidão fosse abolida de nosso país e é consequência direta de revoltas pensadas e organizadas por negros e negras. Não foi algo dado. Não foi um presente da elite branca para a população negra.

A lei em si foi votada pela elite e não alterou a vida dos escravizados, das escravizadas e, como uma das consequências sentidas hoje está o racismo estrutural. O racismo no Brasil se estruturou com e pós o processo de escravização.

É estrutural também quando tentam de todas as formas apagarem quaisquer atos ou situações histórico-filosóficas que relembrem de forma positiva o negro, a negra. É estrutural quando associam a imagem do negro e da negra somente a criminosos, a vadios e a tudo que é negativo. De igual modo, é estrutural também quando somadas essas condições, há a naturalização de casos que remetam ao racismo.

Não há o que se comemorar neste dia 13 de maio. Aliás, essa data deve ser vista como mais uma oportunidade de denúncia do preconceito, da discriminação e do racismo cada vez mais latente, mas também de apontamento de caminhos para superá-los. Dentro dessa perspectiva, é que estou apresentando nesta tarde de forma virtual (Google Meet) o Plano Municipal de Combate ao Racismo e de Construção da Equidade Racial em Altaneira –CE junto a secretária de Governo, Leocádia Soares, a secretária de Educação, Zuleide Oliveira, ao secretário de Cultura, Antônio de Kaci, a diretores e coordenadores de escolas no município, a formadores educacionais, a representante do Sindicato dos Servidores Municipais (Sinsema), Lúcia de Lucena, ao vereador e presidente da Câmara, Deza Soares e a advogada e vereadora Rafaela Gonçalves.

Destaquei que o documento foi construído entre agosto e setembro de 2020, mas que não era o fim. O momento era para que com as discussões fossem apresentadas novas propostas visando sua complementação e debater maneiras de implementá-lo no município, que poderia ser o primeiro na região do cariri a ter um documento dessa natureza.

O Plano

O documento está estruturado em apresentação, justificativa e propostas. Afirmei que a História do Brasil se confunde com a história do processo de escravização da população negra e indígena e que ao longo dos anos governantes brasileiros, de imperadores a presidentes, foram responsáveis pela promoção e perpetuação da desigualdade racial e citei como exemplos a Lei de Terras de 1850 e a Lei da Vadiagem de 1942. O racismo é visto e sentido institucionalmente. Hoje com essa nova conjuntura política está cada vez mais latente. Mas apesar desse extermínio, a população negra existe e resiste.

Trouxe para o debate dados chocantes. A cor da pele define que lugar e quais cargos públicos um negro e uma negra podem ocupar, além de determinar o tempo de vida. Conforme dados do Atlas da Violência 2020 em parceria com o IPEA o número de homicídios de pessoas negras cresceu 11,5% em onze anos, enquanto que as de não negras caiu 13%. No Ceará, para cada homicídio de uma pessoa não negra, a taxa de homicídio para negros é de 4,7.

Diante deste cenário, é preciso trazer para o centro das discussões a pauta racial. Mudar e transformar cada espaço passa necessariamente pelo combate ao racismo e concomitantemente pela promoção da equidade e para tanto, é fundamental a construção de ações afirmativas concretas e viáveis. O enfrentamento as desigualdades advindas do racismo em todos os setores é uma responsabilidade e um dever de todos.

Por isso, tanto o poder executivo municipal quanto o legislativo precisam assumir seu papel na luta antirracista disseminando o debate a respeito da questão racial, contribuindo para desarranjar todas as formas de discriminação e preconceito presentes diariamente.

Propostas

Ao todo, foram elencadas oito propostas:

  1. Transformação do dia 20 de novembro, hoje ponto facultativo no município através da Lei Nº 674, de 1º de fevereiro de 2017, em feriado;
  2. Criação de uma lei municipal que estabeleça cotas em concursos públicos para candidatos e candidatas que se autodeclarem pretos/as;
  3. Articular e, ou, firmar parcerias com universidades da região visando a formação de uma banca de heteroidentificação voltada para avaliar os pedidos de cota nos concursos públicos;
  4. Criação de um Conselho dentro da Secretaria Municipal de Educação denominado de COPERA (Conselho de Promoção da Equidade Racial em Altaneira;
  5. Este Conselho terá, dentre outras responsabilidades estabelecidas em lei aprovada na Câmara, fiscalizar se as leis 10.639/03 e 11.645/08 que tornam obrigatório o ensino da cultura africana, afro-brasileira e a história e cultura indígena nas escolas públicas estão sendo cumpridas;
  6. Criação, através de lei, do Estatuto Municipal da Equidade Racial que adotará os parâmetros do Estatuto da Igualdade Racial do Governo Federal aprovado em 2010;
  7. Elaboração e desenvolvimento pela Secretaria Municipal de Educação de programas de formação sobre relações étnico-raciais em todas as instituições de ensino envolvendo toda a comunidade escolar;
  8. Desenvolvimento pelas Secretarias Municipais de Educação, de Cultura e de Assistência Social de editais voltados para à promoção da Equidade Racial e de Gênero no município e Implementação de Conferências Municipais de Combate ao Racismo Estrutural. Estas serão realizadas a cada dois anos.

Complementação

O primeiro a se posicionar foi o presidente da Câmara, o vereador Deza Soares. Ele afirmou que o município de Altaneira é o primeiro do Cariri a ter uma lei que permita refletir sobre as causas negras, sobre sua valorização e contribuição ao país, ao transformar o dia 20 de novembro em ponto facultativo no âmbito da administração pública, mas que diante da explanação do plano entendeu a necessidade simbólica e histórica do feriado. “Seremos o primeiro município do Ceará a ter uma lei com essa conotação histórica”, disse, ao tempo que fez o convite a mim para apresentar o plano durante sessão da Câmara.

A fala de Deza foi seguida pelo secretário de cultura, Antônio de Kaci e pela Secretária de Governo, Leocádia. Antônio lembrou que ao receber a proposta no início no ano chegou a conversar com outros setores do governo, mas que optaram por permanecer facultativo e disse entender a importância histórica do feriado. Já Leocádia comentou que agora é favorável ao feriado e chamou a atenção para o fato de que as temáticas concernentes a história e cultura africana, afro-brasileira e história e cultura indígena precisa sim, como já mencionado, ser trabalhado em todas as disciplina e durante todo o ano. “Na educação não é fácil trabalhar o racismo, mas é fundamental que se trabalhe. O negro e a negra precisam ser valorizados”, pontuou. Por fim, disse que as secretárias de educação, de cultura e de assistência social precisam se articular e traçar estratégias de combate ao racismo.

A Secretária de Educação, Zuleide, frisou que seria interessante a criação de um Fórum Municipal da Diversidade. Ela mencionou que ele uma recomendação do Ministério Público do Estado.

Rafaela Gonçalves, advogada e vereadora, mencionou que seria importante ampliar as propostas para o setor privado e apontou como propostas a criação de cotas. “Quando as empresas e outras repartições privadas forem contratar teriam que atender a essa demanda”, disse. Outra ideia de Rafaela foi a criação de um Fundo Municipal para o desenvolvimento de políticas afirmativas.

Cerca de 24 pessoas participaram do evento que durou duas horas. Todos/as se comprometeram na aplicação do Plano Municipal de Combate ao Racismo e de Promoção da Equidade Racial. O documento completo será enviado a Administração Municipal.

Por: Nicolau Neto/Blog Negro Nicolau